domingo, 4 de novembro de 2012

8 meses e eu ainda conto as batidas do coração e me pergunto até quando.Até quando o mundo vai fingir que tá tudo bem?Até quando eu vou me vestir de coragem e mentir pra mim mesma sobre conseguir sem você?Um prédio sem base não para em pé e eu estou me equilibrando em alguns tijolos que você deixou.
Eu gosto de falar contigo mesmo sem ouvir a resposta de volta,me sinto bem por uns instantes,mas as vezes o desespero fala mais alto.
As pessoas me dizem pra esquecer,pra seguir em frente mas ninguém me pergunta se é isso que eu quero.Eu não quero esquecer,pelo contrário,esse é o meu maior medo.
Tenho medo de esquecer da sua risada e daquela cara que você fazia quando eu chamava sua atenção.Tenho medo de não me lembrar dos seus olhos cheios de lágrimas por conta dos desabores da vida,medo de ver você se desfazer diante dos meus olhos como mera coisa mundana…mas sobre tudo,tenho medo de me perder tentando te encontrar.
Sou como o oceano.Minhas extensões são feitas de lágrimas,meus humores são cheias que lavam a beira da praia,devastadoras e impiedosas com tudo que se interponha no caminho.
Sou como omar morto.Dentro de mim já não há tanta vida,até existem espécies bonitas aqui mas estão profundas demais para que eu possa enchergar suas belezas.
Apesar de minhas miudezas parecerem me enfraquecer a cada dia,me sinto mais forte pois mesmo no oceano mais oculto a lua reflete sua luz,dádiva pessoal que representa mais um dia que a noite insiste em findar.
Ainda me lembro de quando tudo aconteceu,foi ontem mesmo.As cores eram cheirosas e o riso vinha fácil,difícil era controlá-lo.Eu confiava em todo mundo e a malícia nunca tinha me atormentado.Acreditava que eu seria cantora de rock,bailarina,atriz de Hollywood.Ainda me lembro de comemorar aos pulos quando minha mãe fazia aquela mesma comida simples de sempre…As coisas mudaram tão rapidamente que as vezes tenho dúvida de suas veracidades.Hoje o riso me custa tanto esforço que quase caio no pranto de pensar.As pessoas estão frias e as cores estão mortas,é como se eu tivesse dispertado pro verdadeiro mundo e lutasse tristemente para desfazer a descoberta pois vi não era tão bonito.Ontem eu era criança hoje me tornei mulher.
Quebrei promessas e fiz tudo errado outra vez.Me feri de todas as formas possíveis e me sinto responsável por tudo isso,saí da minha trincheira e corri o risco de ser atingida pela bomba dos inimigos que até então desconhecia.
Tentando proteger todo mundo,acabei dando um tiro no próprio pé e acho que lá se escondia meu orgulho que agora está gravemente ferido.
A soma de guerras e o acúmulo de dores me fazem cada vez mais fria.Hoje só carrego culpas e remorsos,deixo a esperança pras inocentes crianças e a alegria cansada para os velhos.Não se preocupe,estou bem. — Marília Cadima
Dali daquela calçada imunda cheirando a fracasso conseguiu ver aquela forma saindo de seu velho Corsa preto.Ela não podia estar em situação mais deplorável,não estava em si,a bebida nunca lhe dizia quando parar e ela não estava em condições de traçar limites para nada.
Todos os detalhes que ela gostava de reparar pareciam vultos e sua cabeça girava,o que a fez lembrar daquela montanha russa que andara com sua mãe.Ah mãe,que saudade!
Ele se aproximou,acho que viu alguma semelhança dela naquela face indulgente que estava parada a poucos metros dali,ele tentava mirá-la,se ajoelhou e segurou seu rosto entre as mãos,rosto esse que se via pálido marcado por olheiras tão profundas que pareciam precipícios.

-O que fizeram da pequena que eu conheci?
Ficara em dúvida se aquele pequena era para ela,fazia tempo que não ouvia essa palavra de sua boca.Falou em resposta:
-É,a vida tem formas engraçadas de ensinar as coisas.O mundo faz com que superemos nossas dores passadas com as dores fresquinhas que insistem em bater a porta,e eu abri.
Ele não sabia o que dizer,sabia o que aquelas palavras significavam…Sabia que o mundo nunca fora o real lugar dela e não havia argumentos que pudessem fazê-lo pensar diferente.
-Eu sinto muito.
Falou desviando o olhar para o chão.
E ela com um riso irônico pôde responder com verdade pela primeira vez:
- Já eu…(balançou a cabeça com tom de descrença)eu não sinto mais nada.
— Marília Cadima
Sabe aquela mania que a vida tem de testar seus limites?Tem sempre uma pendência,um assunto mal resolvido que te tira boas noites de sono.Incertezas corroem o peito na mesma proporção em que roemos as unhas.Sossega menina!Não há nada que se possa fazer,esta é sua sina.Mantenha sua covardia e seu orgulho e jogue essas idéias mirabolantes no fundo de um baú,até que o pó tampe tudo. — Marília Cadima
Sabe quando você só quer chorar?Quando cada parte do seu corpo clama pelo espaço sagrado que é seu quarto,seu retiro?Sabe quando você não sabe o que fazer com tanta coisa aprisionada em si,quando tudo o que você queria era gritar e liberar todas essas coisas sem sentido que te fazem triste o tempo todo?Sabe quando você queria ouvir aquele silêncio que significa tanto pra você,ainda mais vindo daquela pessoa que você ama?Quando as coisas bonitas passaram a ser feias pois significam um esforço terrível vê-las belas como antes?É eu sei. — Marília Cadima
Estive pensando em bobeiras,é o que dizem quando conto das minhas idéias mirabolantes.Não sei se existe uma palavra pro que eu senti naquela noite,era mais que indiferença e desânimo,eu estava desistindo de fingir.Era uma madrugada fria e minha garganta seca clamava por água,fui até o quarto dos meus pais e quando os vi,sem sequer imaginarem o que se passava na minha cabeça chorei.Chorei até arder os olhos,chorei de dor,de vergonha,de puro desespero…Foi quando percebi que minhas vontade sempre estariam subordinadas ao desejo de quem amo,e se tem amor do qual vale a pena viver,é esse. — Marília Cadima
O que está acontecendo com essa juventude ein?Antes admirava-se os filósofos,os revolucionários,os cientistas,ou mesmo os astros de rock que fizeram de alguma forma enxergarmos o mundo diferente…Hoje uma garota corta os pulsos e é símbolo de força.Acho que tem alguma coisa bem errada. — Marília Cadima
Eu que tive todas as chances de te aproveitar todos os dias,de todas as formas te absorver,te mostrar suas importâncias,falhei.Senti a frase:’Você só dá a devida importância a alguém quando essa pessoa vai embora’,bater na cara e doeu,ainda dói.Não,o tempo não cura todas as feridas,pelo contrário ele as alarga com um veneno chamado saudade.Hoje escrevo porque todos os lugares,pessoas,cheiros e sabores me lembram você,me lembram como a gente fingia bem que tudo ia dar certo no final,me lembra como conseguiamos entender uma a outra só com um olhar.Agora sinto você não como alguém exterior que eu amo,você faz parte de mim,e essa parte mesmo que aos barrancos,vive. — Marília Cadima
E se as coisas não forem como a gente acreditava quando criança?E se heróis,deuses e bicho-papão não existirem?E se eu não virar astro de Hollywood,nem cantora,nem modelo…Nada disso aconteceu e nem vai e sabe porque?Porque desde pequenos nos ensinaram a ver o mundo de uma forma muito bonita,mas não pensaram que uma hora a gente ia crescer e que talvez nossa cabeça mudasse,e mudou.Depois que experimentamos a dor em um grau acima do que achavamos que podíamos suportar é mais fácil perceber que aquelas futilidades que te faziam perder noites de sono nunca fizeram sentido.Crescer dói.É como se o príncipe tivesse beijado a Branca de Neve e ela não acordasse,como se o príncipe não se importasse,ou pior como se ele nem existisse. — Marília Cadima
É cercada dessa melancolia vazia que escrevo.
Cercada de nonsenses.
Escrevo como se a próxima palavra fosse a última.
Escrevo pois nada sei sobre as palavras,pois nada sei sobre nada.
Só há melancolia e indiferença disfarçada por trás de dentes amarelos.Café,cigarro. — Marília Cadima
Sou como um brinquedo com defeito.Você comprou com um ar de satisfação,como uma criança com o presente de natal…Nos primeiros dias você via aquele presente como sinônimo de perfeição,mas o tempo foi passando,foi correndo e quando você olhou para ele denovo viu marcas.Sua expressão era estranha,doentia…quis arrumá-lo,em vão.Esse brinquedo agora espera o dia em que vai ser simplesmente jogado fora o que seria um alívio,dói ver uma criança assim tão linda ver seu presentinho se desfazendo. — Marília Cadima
Quero que se lembre de mim como eu era.
Quero que se lembre da minha força e continue a admirá-la na lembrança.
Quero que me ame por quem eu fui e pelos sorrisos que arranquei do seu rosto teimoso.
Quero que se afaste.
Quero que não me veja chorando.
Quero que tampe os olhos para que não me veja definhando.
Quero que se lembre de como eu era.
Vá,não sobrou mais nada de bom aqui.
— Marília Cadima
Eu estava exatamente no mesmo lugar de costume,na quarta cadeira da fileira nem muito a frente nem tanto atrás.A mesma postura desconjuntada de sempre e a enorme capacidade de pensar em muitas coisas e todas ao mesmo tempo.Comecei a rir sozinha,talvez de uma piada ou de um episódio engraçado,o riso foi cessando…por um minuto fiquei indiferente passei a observar o resto das pessoas,umas dormiam,outras anotavam tudo rapidamente.Lembrei de alguém e senti saudade,saudade de momento,de uma fase,daquele tempero da minha mãe.Sorri das coisas que me faziam chorar e chorei das que me faziam rir.Mentalizei desculpas,me arrependi de confiar tanto naquela pessoa com cheiro de chocolate,cantei músicas,ensaiei caretas e bebi o último gole da coca gelada,viajei para o Egito,me senti advogada,médica,gari,pedi a conta,tranquei o carro,dormi mais tarde.Vivi uma vida em uma aula de matemática. — Marília Cadima
Você sempre me cuidou tão bem,sempre se preocupou em perguntar como foi meu dia e se meu estômago ainda doía aquela gastrite antiga…Eu que nunca soube retribuir sofria mesmo calada,mesmo trancada naquele banheiro sujo da escola.Sofria porque sabia do mal que estava fazendo a você e a mim.Sofria porque tinha pena daquele amor tão bonito que não deixava brotar por medo,por pura covardia.Sabe o que é torcer pra ver você arrumar alguém?Torcer e ao mesmo tempo repudiar essa idéia…Você confunde até minhas certezas. — Marília Cadima
O amor é a beira de um precipício.
Você fica bem na borda e se delicia com as coisas que ele te proporciona.A vista de cima é maravilhosa,é tudo muito claro,cheira bem.É excitante sentir esse risco,dá frio na barriga,borboletas,lesmas…é prazeroso sentir o vento beijar seu rosto.
Mas ai do nada você se desequilibra,mas não teima,a brisa suave segura seus pulsos e te traz de volta…e de volta,e de volta…
Até que você cai!Você tenta segurar,bate suas asas,grita,mas nada adianta.Você sente calafrios,ventos velozes,sente enjoo e aí você bate no chão,com a cara.Dói,dói muito,sangra.O choro vem sem pestanejar e você acha que não tem nada em volta…
Aparece rastejando um monstro,vários.Solidão,saudade,pesar,medo.Você corre até as costelas gritarem,mas eles estão bem ali do seu lado…
Passa o tempo e você se acostuma,se habitua como tudo nessa vida.Você começa a gostar daquela solidão,ela é tudo que você tem.
Se você sente saudade do cume?do topo?Sim,mas logo depois se lembra da dor e olha pra si e vê as cicatrizes e é a partir dai que resolve ficar por ali mesmo,com suas asas quebradas,seu maço de cigarros e aquela solidão que agora vive dentro de você.
— Marília Cadima
Sartre dizia que estávamos condenados a liberdade,concordo e acrescento mais uma danação eterna: o amor. Pense hipotéticamente,embora seja quase impossível,que você não amasse mais ninguém. Todas as suas decisões seriam suas,todas as vontades e desejos frutos do seu profundo ego. Você ainda estaria aqui?Qual seria seu modo de vida?É melhor evitar perguntas assim e manter a sanidade,eu acho. — Marília Cadima
Acho que sei porque gosto tanto de escrever…Quando falo,por mais leal que possa parecer ao que sinto,passa logo.As palavras deixam minha boca e partem com o vento e na mesma velocidade deixam minha mente.Quando escrevo guardo-as,selo-as…Mas como nunca gostei de prisões deixo elas brincarem sob minha vista,deixo minhas palavras por instantes serem suas. — Marília Cadima
Nos tempos livres ela escrevia.No intervalo das aulas,antes de dormir…Escrevia o que não tinha coragem de dizer,queria que o papel olhasse pra ela absorvesse e transformasse em palavras tudo que ela sentia.Quase sempre era desânimo,medo de tomar decisões,ou pior,incertezas e infrequências.
Não gostava de dividir,não procurava filmes cômicos mas sorria quando via alguém sorrindo mesmo que por dentro.Gostava da alegria alheia,sentia inveja,não negava e costumava ser sincera embora eventualmente mentisse dizendo que estava bem.
Não se enturmava,preferia ficar calada.Gostava de desenhar olhos na carteira da escola,gostava de olhares e algumas pessoas se sentiam incomodadas por sua mania de olhar fixamente nos olhos enquanto prestava atenção ao que falavam,não desfocava.
A sacada era fria,o vento secava seus olhos fundos embora ela lutasse pra umidificá-los com lágrimas.Não saia uma gota,talvez tivesse secado.O arrepio passava pelo seu corpo e ela teve a impressão que seu cabelo ficara meio punk.Se lembrou daquele menino misterioso do ônibus e sentiu vontade de conhecê-lo.
Sibilou um trecho que conhecia bem,trecho daquela música do seu cantor preferido: Renato,ele sempre entendia sem querer explicar,toda confusão que passava em sua mente.
”Eu sou um pássaro,me trancam na gaiola e esperam que eu cante como antes.
Mas um dia eu vou conseguir voar pelo caminho mais bonito.”
Foi então que ela voou.
— Marília Cadima
Ainda sentia o gosto de sangue na boca.Tinha apanhado mais do que estava acostumado dessa vez e o engraçado é que aquilo o fazia sentir-se vivo.A dor sempre foi humana demais,mas essa parte de humanidade ele gostava.Não era masoquista ou algo do gênero,só gostava de testar e sentir seu corpo que até então sempre fora tão inútil.Estranho?Pode até ser,mas quem se importa? — Marília Cadima
Continuam falando de moda aqueles que não conseguem nem arrumar sua própria alma dentro do peito.
Continuam escrevendo poemas aqueles analfabetos de espírito.
Continuam comprando jóias aqueles que não tem nem o pão pra comer.
Continuam nessa hipocrisia indigesta. — Marília Cadima
Pretenciosa achava que podia mudar o mundo,algo como uma síndrome revolucionária.Sentia que podia reverter crises e acabar com a fome,sentia que minha singularidade era ambiciosa o bastante pra alcançar o êxito…Mas o tempo passa,e os jornais na tv também e com eles as notícias de que o mundo está se afundando cada vez mais nessa areia movediça difícil de limpar da barra das calças.Fui perdendo as esperanças,fui me sentindo menos capaz e foi aí que a pluralidade do mundo me mostrou sua força e jogou pra baixo do tapete meus sonhos adolescentes. — Marília Cadima
Andei pensando e descobri que não quero morrer velha.Não é que eu não goste de velhos,muito pelo contrário,ao pensar nesses anjinhos sinto saudade dos meus maiores exemplos de vida: meus avós.O problema é que com o tempo as limitações vão aparecendo,os joelhos doem e fica difícil continuar o ballet.A dependência aumenta,e isso é um luxo com o qual não posso contar.O problema de escolher a solidão é que ninguém vai poder segurar minha mão quando surgir uma osteoporose ou me lembrar do remédio da tarde.Seria só eu e meus fios brancos e esse cenário depressivo eu não poderia suportar. — Marília Cadima
Já cansei de forçar sorrisos e te procurar naquele banco da praça que você costumava ficar.Cansei de explicar a umidade no rosto e as frases suicídas.Cansei de clichês e bons samaritanos.Cansei de fingir que alguma coisa faz sentido desde que você foi embora pra nunca mais voltar.Estou cansada de juntar forças do fundo do âmago sombrio que clama por seu afago,por seu sorriso e por sua vontade de ver a vida em sua forma bonita.Por isso volte,’não me faz ser assim tão estúpida’. — Marília Cadima
Hoje não quero ler textos de amor.Hoje não quero acreditar em borboletas no estômago,arrepios e chocolates quentes.Hoje quero enojar tudo que tenha amor,só por agora,só por hoje antes de me tornar pateticamente romântica outra vez. — Marília Cadima
E por um momento o mundo se torna um lugar feliz,possível.No meio de tanta gente existe uma criança e por de trás daquele sorriso existe pureza,a tão rara pureza.O riso surge de minha face cansada quase que instantâneamente e sinto que ainda aguento mais um dia. — Marília Cadima
Um véu cinzento que sela os olhos
Uma mordaça que impede o suporte
Um salto no escuro,no vazio
Isso é vida ou será morte? — Marília Cadima
Tinha algo de doentio na forma que ela olhava,acho que era um misto de desespero com vontade de afastar de si tudo que pudesse fazer bem.Até gostava de ficar feliz,na verdade não se lembrava muito bem do que isso queria dizer.Tinha medo de sugar toda a felicidade das pessoas,sabia o quanto era difícil recuperá-la depois de perdida.Observava de longe,por trás de postes de ruas mal iluminadas,por ora sorria mas olhava pra si e via o quanto era deplorável seu estado.Optara pelo remédio que a deixava livre,flutuante e dependente.Não tinha nada a perder. — Marília Cadima
Dentro de mim tem vários eu’s
Um que peca sem remorso
Um que tem síndrome de ser Deus.
Dentro de mim é pranto e poesia
Um pouco de metáfora,comparação,sinestesia.
Um nada pra alguns,um tudo pra outros
Por horas me perco,em outras repouso.
— Marília Cadima
Quero ver-te
sentir-te
amar-te
Quero ter-te
possuir-te
declamar-te
Quero a parte por inteiro
Quero dar-te
Quer ver-te no espelho,
Quero ser-te.
— Marília Cadima
Tinha o sorriso angelical antes de virar mulher.
Tinha vida nos olhos enigmáticos
Tinha curvas suntuosas
Tinha sonhos por trás dos caixos.
Tem um amarelo que não sai do dente
Tem os olhos de ressaca
Tem muchibas debaixo do queixo
Tem medo por isso chora baixo.
Ah ternura porque partistes com meus sonhos infantis?
Porque deixastes meu semblante tão mucho
Meus deleites tão sombris?
E minha vida assim infeliz?
— Marília Cadima
Aquela é gorda
Aquela magra demais
Tem os peitos caídos
Nos tratam como animais.
Aquela parece vadia
Aquela é muito comportada
Os homens delimitam suas roupas
Sua cabeça não tem nada.
Não me peça pra aceitar o fato de não existirem ‘padras’
Não me peça pra evitar minhas saias curtas e meu decote
Não me ensine como me portar,não me molde.
— Marília Cadima
De forma ligeira amparada pelo som doentio da música clássica,despertara seu instinto mais perverso.
Não queria machucá-la,só entendê-la do princípio ao fim.
Após o vinho do porto,adormeceu.
Começara a operação rumo a seu interior,vértebra por vértebra.
Susto,surpresa,olhos esbugalhados…Era pateticamente igual a todos os montes de tripa que já vira.
A beleza era superficial e ele a tinha destruído.
Estrondoso barulho de tiro.
A frustração era maior que o desejo de viver.Talvez a morte não fosse deformada como o cadáver frio que jazia por sobre o tapete. — Marília Cadima
Nos espelhos,nuvens,semáforos
Nas vozes,cheiros,nos carros
Estás em tudo que vejo
No mais profundo desejo
Estás no que é bonito
Naquele vício antigo
Estás em mim e não sai (nem pra dar um passeio) — Marília Cadima
Viagem de trabalho,cruzadinhas não terminadas,janela.
Devaneios,assunto mal terminado,aspirina.
Texto,notebook,lixeira.
Nuvem,céu azul,maldito sol.
Fim de trajeto. — Marília Cadima
É engraçado como em Paris até o ar é diferente.O vento descreve passagens históricas de revoluções em âmbitos culturais,civis e políticos.As praças estão transbordadas de artistas que maravilhosamente vendem seus trabalhos por um vintém qualquer.É a prova concreta de que o sistema tudo absorve desde o mais fútil bem de consumo à mais abstrata obra de arte.Os museus que cheiram um mofo gostoso de coçar o nariz,que trazem à tona o quanto o mundo é grande(e eu pequena).Os cabarés com suas mulheres esculpidas em trajes sedentos e suas danças hipnóticas que arrancam uivos do público.A Ópera de Paris?Mal posso descrever as lizuras que me arrebatam a um deleite infantil.O Corsário,com suas odaliscas executando piruettas,grand jettes e fouettes.Ah minha doce Paris,que nostalgia relembrá-la em sonhos. — Marília Cadima
A fruta madura acaba de cair do pé e já não pode ser mais comida.
Tudo é descartado muito facilmente.
Inclusive a gente.
E o mundo ainda gira. — Marília Cadima
Me segura forte ou me deixa ir.
Me esquece ou me pede pra ficar.
Me ame ou me mate.
Me queira bem,mal,pouco,insanamente.
Como queira,mas queira. — Marília Cadima
Mercadorias:tudo mais que o Deus supremo,o amado e odiado dinheiro dita como necessário mas e ai quantas?Quantas merdas inúteis precisam ser compradas com o suor do tempo até que todo o vazio existencial moribundo se preencha?Quantas descobertas tecnológicas precisam ser feitas até que o mundo perceba que sabe-se muito sobre ciência e nada sobre vida?Quantas pessoas serão taxadas de covardes por perceberem que por trás desse seu tênis de marca existe uma criança mendigando um trocado pra não morrer de fome?Mas espera aí eu compro essas drogas e esse desabafo é uma puta hipocrisia
Decidiu que não ia mais ligar.Não me importo, repetia inutilmente na frente do espelho,desapegue.O problema nessa história de esquecer é que você precisa se lembrar do que quer apagar e isso é um paradoxo doentio.Seu hálito que misturava cigarro barato com chiclete de hortelã era o mais difícil de limpar dos vestidos bordados.Ela tinha apagado seu número do celular,mas que diferença isso fazia quando o número estava gravado em brasas na sua mente?Ligou. Até que tinha durado bastante sua abstinência de Marcos… Ah Marcos, suspirava. Conversa curta como devem ser os negócios quando se trata de uma amante, um aconchego quente e uma foda rápida. Sentia embrulho no estômago quando olhava pro espelho,mas exigir muito nunca foi seu forte,se contentava com pouco.Chamou Marcos a seu apartamento e exigiu que isso se resolvesse,ou tudo ou nada,quis parecer extremista como a moça do filme.Sussurros no ouvido,beijo nas têmporas…Do que é que ela estava reclamando mesmo?   Marília Cadima
Procuro por felicidade ou qualquer coisa que faça a barriga doer de tanto rir.
Procuro um riso onde não haja desespero por trás.
Procuro borboletas que vivam vorazes no estômago.
Procuro seu nome nas listas telefônicas e nos jornais.
Procuro-te meu bem. — Marília Cadima
Quero ser as gotas de chuva que aparam seus cabelos majestosos.
Quero ser alimento para saciar toda sua sede de existência.
Quero ser calçados maltrapilhos que guiam seus passos em minha direção.
Quero ser sol, única fonte capaz de te dar o calor que tanto anseia.
Sou sua luva pequena, me tens para sempre em suas mãos. — Marília Cadima
Saudade é o medo do depois que pode não vir, é o desespero de enxergar em cada expressão um adeus subentendido.Mundo, o que você pensa que está fazendo?Como pode girar e agir como se nada tivesse mudado?Como pode ser tão mesquinho e vil quando o sentido partiu para nunca mais voltar?Como posso aguentar ver suas cores se esvaindo?Como posso velar minha parte mais viva e bonita?’Insipiências’
Milhares de palavras perdidas nos nós de minhas entranhas,
Sinto uma necessidade absurda de gravá-las.
- Pegue logo um papel atoleimada!
Que pena bela, devia ser de papagaio e por onde será que ele voou?
Foi-se embora idéias, palavras…
Esvaí-me — Marília Cadima
Tinha a mania de ver as coisas ruins que os românticos preferiam deixar escondida. Que tipo de pessoa pensa na quantidade de estrume que poderia haver em um local cheio de pássaros?Liberdade -gritavam os românticos- pense na liberdade! Em vão, achava estrume mais relevante. — Marília Cadima
Rotina. É impressionante como pronunciar essa palavra já trás melancolia pros meus olhos. 6 da manhã, café forte com um pedaço de chocolate meio-amargo, broas. Pego meu carro e faço o mesmo trajeto de sempre…Aquele mesmo senhor pedindo esmolas no sinal, aquele velho mercado que cheira à tomate amassado…Fila do banco, nada mais detestável que essa maldita fila de banco, as mesmas atendentes lerdas e os mesmos velhos rabugentos. Tinha um moço duas pessoas a frente, não era muito bonito mas transpirava desejo. Ele não estava mal-humorado como eu, parecia se divertir com tudo aquilo. Quis cumprimentá-lo mas o que eu iria falar?Passei vários minutos pensando nisso e como se ele adivinhasse meus pensamentos, olhou pra trás. Me fitou com aqueles olhos de fel e aquele olhar pareceu durar dias,semanas. Desejei-o como nunca antes, quis tê-lo ao meu lado nas manhãs frias e nas quentes também, talvez ele soubesse fazer capuccino. Acabou, sonhar custa tempo e como diz meu chefe tempo é dinheiro. Ele se virou e meu coração parecia uma bomba relógio prestes a explodir. Passou por mim e me fisgou com um sorriso torto, foi-se. — Marília Cadima
Rasgo-lhe a face para que não sejas de mais ninguém
Faço de ti poesia e declamo-te aos quatro ventos
Modelo,delimito e incorporo-te
Faço de ti meu brinquedo, meu irredutível faz de conta. — Marília Cadima
Uma mente curiosa aquela. Se eu falasse que estava triste ela simplesmente continuava a dar tragadas marcando meu maço de marfim. Mas se eu falasse sobre algo banal como: estou com fome, ela queria saber tudo, o que comeria que cor,sabor e tempero tinha. Talvez estar com fome surpreendesse-a mais do que estar triste. — Marília Cadima
O que será que tem por trás desse céu?
E abaixo desse mar?
Pra que mancho esse papel,
Que mais tarde vou rasgar?
Incógnitas. — Marília Cadima
Eu sinto saudade de quando não éramos estranhos um ao outro.Quando eu podia falar desde o que comi no almoço até aquela dor no peito que não passava.Me lembro o quanto era assustador perceber que funcionávamos na mesma frequência e mais assustador ainda é ver que o rádio agora está desligado.Não sei bem o que aconteceu, talvez eu esteja errada demais e você também mas sei que não vamos admitir fácil pois o orgulho guia nossos passos.Não tenho o direito de pedir que volte só quero que saiba que sua morada sempre será aqui debaixo de minhas asas e que elas vão ficar sempre aqui estáticas pois não há sentido alçar voô sem você. — Marília Cadima
Afinal qual o sentido da vida humana?O que diferencia uma beata de um assassino?Talvez apenas um segundo, um ato, uma ira incontida. Em qual abismo se esconde nossa coragem?Ah a coragem, sim senhor, pois nossos medos estão bem aqui estampados na cara. O que faz o mundo ser lindo a alguns e insuportável aos outros?Níveis de ignorância diferentes?De fé?Quisera eu responder essas indagações, há algo que me impede de chegar a um produto. Maldito filósofo barbudo. — Marília Cadima
Foi como tragar um cigarro. Começou sem que eu tomasse consciência do feito. As cinzas se formando e o fumo diminuindo.De súbito começou o ardume nas narinas e a fumaça no olho fez chorar. Foi-se cigarro, foi-se saúde, foi-se você e no chão polído apenas cinzas. — Marília Cadima
Vivi coisas demais, tive que amadurecer as pressas e a força. Ninguém reparou mas eu era só uma garotinha quando tudo aconteceu. Meu cérebro trabalhando mais que meu coração que deveria sofrer por amores adolescentes. Não tive tempo pra me desculpar e nem pra aprender a tricotar.Me escondi por muito tempo debaixo da coberta pois o sol me incomodava, seus raios me mostravam como o tempo é impiedoso. Todo mundo me puxou, me quis levar para um piquinique mas e agora?O mundo me encontrou de novo e me mostrou que não estava de brincadeira. Estou ruindo como aquela muralha bonita que vi no filme e não pense que não estou tentando, só estou cansada demais pra continuar. O problema de mostrar-se forte é que as pessoas contam com isso pra se erguerem e não percebem que seus joelhos estão bambos. Não é um pedido nem uma súplica por ajuda, a parte boa de crescer assim tão depressa é não contar com ninguém. Estou em pedaços e isso não muda nada. — Marília Cadima
Sou forma untada de potes de aspereza
O tempero é passado e escorrem miudezas
Não há fermento que faça esse bolo(r) crescer. — Marília Cadima
Como se fosse natural ter asas vou, voô nesse espetáculo de luzes.
Como se fizesse parte de minha anatomia elevo-me ao cume dos pés.
Como se minha vida dependesse daquele solo solitude.
Que o tempo não me apare as asas ou enfraqueça-me os pés.
Dançar é ter uma multidão insone dentro de cada parte de ser. — Marília Cadima (nosbracosdemorfeu)
Querida Ana,

Sei que já faz um tempo que não escrevo mas precisei maltraçar umas linhas no dia de hoje.Um ano e três meses sem te ver sorrir. Sinto saudade do seu cheiro de tinta pra cabelo e da sua voz que me fazia morrer de rir.Você me faz morrer o tempo todo. Sua risada,seu cheirinho,seus abraços,seus conselhos e agora sua falta.Dói demais pensar no que eu podia ter feito.É horrível pensar que podia ter arrancado 10 sorrisos da sua cara de menina, tirei só 9. Podia ter falado mil eu te amos e pra falar a verdade não sei de passou de cem.Me perdoe por ser tão pequena e mais ainda sem você. O tempo é uma maldição que luto pra domar todos os dias. Temo esquecer da sua voz e de como você ficava feliz quando comia Doritos perto de mim só porque sabia que eu ia entortar o nariz. Quando penso que não vou mais aguentar tanto aperto no peito aparece outra iminência de perda…Eu não sei o que vem após a morte,sei tão pouco sobre vida que nem ouso desvendar o fechar dos olhos, mas sinto que você está bem, tem que estar. O mundo continua girando,a chuva ainda é gelada e tenho medo de borboleta, como tudo continua seguindo seu ciclo eu não sei, não soube de muita coisa desde que você se foi. Estou regando as plantas e até copio matéria do quadro. Tenho tanta coisa pra te contar…você ficaria orgulhosa!E isso quer dizer que ando aprontando, claro.Já desisti de gritar que te amo pra ver se pelo menos o eco respondia,agora sussuro bem baixinho. — Carta aberta para Ana Paula Venâncio
Do meio das pernas por debaixo da saia nasceu um poema
Meio molhado e cansado, queria respirar
Grudou-se em um papel e propagou-se por toda boca
Mal nascera e já criou asas. — Marília Cadima
Perto de uma caixa de marimbondos dois homens.O mais velho percebendo a impaciência do jovem diz:
-Incomoda não?O zunido!É exatamente assim que eu sinto.
— Marília Cadima
Fiquei horas tentando responder aquela pergunta da entrevista de emprego. Quem sou? Que estupidez perguntar isso assim, é só uma vaga pra caixa de supermercado. Sou… maltracei inúmeras vezes e percebi que mais absurda que essa pergunta só sua resposta: Sou um pouco de tudo. — Marília Cadima
Meus dedos procuram palavras que façam sentido pro que estou sentindo
Minha boca balbucia algo que não posso escutar
Minha cabeça faz meu peito se contrair
Vazio. — Marília Cadima
Nunca teve religião, nunca acreditou em santos e sempre achou que esse tal Jesus precisava mesmo era fazer a barba. Odiada pelas beatas e questionada pelos jovens. Achava que vida era só uma, você nasce, sofre até não aguentar mais e morre, puff simplesmente apaga. Não se importava com a morte só torcia pra que fosse rápida e logo. Apareceram Marcos,Fábio,Eduardo,Clarice,Júlia…e ela pensou que talvez a vida valesse um pouco mais que aquele vestido que ela cobiçava sempre que passava na loja do centro, engano. Esses pensamentos duravam pouco pois ela se cansava de tudo rápido demais. O problema de cansar-se da vida é que não é tão simples deixá-la plantada no cinema como Ana fizera com tantos caras que insistiam em molhar seus lábios com lábia barata, a vida é bem mais que o círculo que ronda seu ego. Acostumou-se com a casa apertada, com o marido e seu mal humor matinal, com a infertilidade do útero, acostumou-se a sobreviver mas sobre vida sabia muito pouco. — Marília Cadima
Como um anti-narciso olhei o reflexo no lago e quase me afoguei de puro pavor. Quando foi que tudo mudara tanto assim?Meus traços não passavam de cópias mal feitas de minh’ alma demente. Quis gritar mas temi que meu uivo de nada adiantasse. O problema daquela figura é que ela se parecia muito com o que já fui em um segundo atrás, o mesmo cabelo cor de abóbora e os mesmos lábios delineados. Percebi que aquela persona nunca seria como minhas entranhas afinal monstros só existem em histórias de fadas. — Marília Cadima
Se a saudade não me arrancasse por inteira talvez eu escrevesse um poema.
Se essa tal morasse ao lado, mataria a sangue frio.
Se saudade não fosse minha essência, princípio e fim talvez meus balbucios fizessem sentido. — Marília Cadima
O psicólogo depois de tanta ladainha ouvir, resolveu sair do eixo.
- Que se foda, isso é problema seu
A cadeira do divã girou e antes que o psicólogo se arrependesse de ter acendido aquele cigarro o paciente exclamou:
- É isso!É exatamente isso que quero explicar depois de tantas sessões. É isso que sinto.
Antes que isso se tornasse uma confissão pessoal demais a contragosto, o psicólogo absorto em seus afazeres escreveu ‘misantropia’ em um papel e mandou-o procurar um farmacêutico rico chamado psiquiátra.
— Marília Cadima
Antenado e enquadrado naquela tela de cinema tinha a tal felicidade. Nem me lembro quantas vezes assisti aquele filme só pra imitar aqueles sorrisos que pareciam menos amarelos que o meu. Um dia tomado por excitação e curiosidade fui em direção aquela tela imóvel, quis tocá-la e absorver tudo que fosse bonito pra mim. Como se a felicidade fosse algo assim tão tangível! — Marília Cadima
A vida é isso: suportar.
Suportar um filho da puta te dando ordens sem nada poder fazer.
Suportar as injustiças do mundo sem que sua revolta seja o bastante pra mudar tudo isso.
Suportar as dores vindas do próprio vazio existencial.
Suportar o insuportável, o incompreevísel, o inteligível. — Marília Cadima
É engraçado como as pessoas associam o medo a um bichinho feio que mora no escuro.
Pelo que provei dessa vida tenho que discordar piamente!
É engraçado como toda frase que começa assim não tem nada de engraçada.
E pra falar a verdade cômico mesmo é o medo se abrigar no meio dos dentes. — Marília Cadima
Sempre quis ser daquelas mulheres que não choram por nada.
Sempre quis tatuar no peito a palavra coragem pra rebater tudo que me arrastasse pro abismo.
Sempre quis ser de ferro mas esqueci-me que até mesmo isso derrete com fogo.
Mal posso fazer quando o karma é ser assim condoída. — Marília Cadima
Depois de tanto remédio pra curar meu tédio
Anunciei minha partida, atrasada, dividida.
Deixei nas cobertas o cheiro do cabelo
Nas malas carreguei desespero
Em ti despejei-me por inteiro. — Marília Cadima
Nada do que eu pudesse ter dito anteriormente faria sentido agora que abraçava a morte. As marchas fúnebres me arrepiavam e eu estava deliciada em puro êxtase e excitação. Não haviam querubins, harpas, ou neblinas o cenário era exatamente igual ao centro de São Paulo em uma madrugada gelada. Quis gritar, quem sabe alguma alma perdida me achasse…em vão. Balbuciei cantigas, deslizei sobre o asfalto irregular e descobri que a morte nada mais era que a solidão, a implacável solidão que me desnorteava enquanto me fazia dançar e despertar meu cisne adormecido. — Marília Cadima